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Síndrome de Impostora por causa do inglês
Senta que hoje o texto não vai ser grande, vai ser enorme.
Estou no Canadá há quase seis anos e uma coisa que alguns amigos do Brasil às vezes perguntam é como está o meu inglês ou como foi para aprender.
Pois bem, é uma pergunta bem difícil de responder.
Eu não nunca fiz curso de inglês. Ou, para não dizer nunca, eu fiz um mês de um curso quando cheguei aqui e no Brasil eu tinha inglês no colégio, mas era aquele eterno verbo to be.
Quando eu vim para cá, eu deveria fazer três meses de um curso, só que, além de que o horário dele era das oito ao meio dia e eu precisava trabalhar para me manter, eu achei ele extremamente infantil quando comecei. Sentia que eu estava no colégio ainda, aprendendo verbo to be e umas sentenças que a gente nunca iria de fato usar no dia-a-dia, sabe?!
Então eu larguei o curso, fui trabalhar e um abraço!
Por muito tempo, quando ainda estava no Brasil, eu julguei as pessoas que iam morar fora por um período e voltavam sem falar nada de inglês. Até que eu descobri que isso é completamente possível e foi quando parei de julgar.
Aqui em Vancouver, por exemplo, é super possível você viver uma vida inteira, comprar casa, carro, trabalhar, fazer compras e etc sem saber falar inglês. Não só é possível, como é bem comum também.
Mas esse não é o ponto, vou explicar o porquê até hoje, mesmo após cinco anos e meio morando aqui, eu ainda tenho uma espécia de "síndrome de impostora" por causa da minha segunda língua.
Bom, eu demorei um pouco para me inserir num trabalho que não tivesse nenhuma pessoa que falasse português (brasileiros ou portugueses).
Trabalhei primeiro num restaurante, onde conheci incontáveis brasileiros (incontáveis mesmo). Depois trabalhei numa fábrica, por indicação de uma amiga brasileira. Aí trabalhei em construção, numa empresa portuguesa onde praticamente 100% dos funcionários eram brasileiros ou portugueses. E depois outra fábrica, com as mesmas duas amigas brasileiras que trabalhei na primeira.
Até que eu fui fazer um curso de Traffic Control Person (isso em 2020, fazia quase 2 anos que eu estava aqui) para tirar a licença de flagger. Flagger ou Traffic Control Person nada mais é do que aquela pessoa que fica com a placa de "slow/stop" na frente das obras, controlando o trânsito ao redor.
Eu fiz o curso (junto com uma amiga brasileira), passei, consegui a licença e fui procurar emprego. Logo eu comecei a trabalhar numa obra do lado de casa, era menos de 10 minutos caminhando. Era a primeira vez que eu estava num lugar onde ninguém além de mim, falava português. E aí eu lembro que no meu primeiro dia, o meu novo chefe me deu um rádio e me colocou do lado de um cara sul-africano, que me treinaria para fazer o serviço.
Já na primeira vez que escutei alguém falando pelo rádio eu gelei: não entendi absolutamente nada. Na minha cabeça eu fiquei tipo: eu vou causar um acidente, esse é um job importante, vão me dizer para fazer algo, eu não vou entender o que é para fazer e vai dar uma merda. Onde eu estava com a cabeça quando achei que eu poderia fazer isso?!
E aquele dia eu me senti burríssima e só queria chorar.
Já era difícil entender alguém falando comigo em inglês, imagina pelo rádio, com todos aqueles barulhos, ruídos e dificuldades que um rádio normalmente tem?!
Mas eu voltei no dia seguinte e insisti. As semanas foram passando, eu comecei a me familiarizar com o serviço, era obrigada a falar 100% em inglês durante pelo menos oito horas do meu dia e acabei ficando nesse trabalho por pouco mais de um ano. Por incrível que pareça, não foram dificuldades com a língua que me fizeram querer sair de lá, e sim o fato de eu trabalhar na rua o dia inteiro, faça chuva ou faça sol (ou faça até mesmo neve).
Depois desse trabalho, eu fui para uma empresa brasileira, que às vezes atendia clientes não brasileiros, mas era exceção, a grande maioria dos clientes eram brasileiros. Lá eu fiquei por alguns meses, até que uma amiga me indicou para um lugar que ganhava mais e trabalharia 100% home office. Então lá se foi a Luísa, encarar o desafio de ser treinada apenas por vídeo e totalmente in english de novo.
Eu era treinada através de ligações de vídeo com uma funcionária mais antiga, que me ensinava tim-tim por tim-tim o que eu tinha que fazer. A minha sorte é que essas ligações eram gravadas e eu podia ouvir de novo depois para garantir que seguiria todos os passos certinho.
Nesse último emprego, fiquei um ano. Até que decidi que queria trabalhar em algum órgão público. Eu tinha uma amiga que trabalhava na área e fazia super propaganda de como o salário era legal, os benefícios e a quantidade de day-offs por ano (aqui não é como no Brasil que em um ano trabalhado a gente consegue trinta dias de férias, normalmente são duas semanas de férias nas empresas privadas).
Então eu preparei bem o meu currículo e uma carta chamada "cover letter" que temos que juntar aqui em quase 100% da nossas aplicações para as vagas e comecei a procurar loucamente. Foram seis meses aplicando muito em diferentes órgãos. Fiz algumas entrevistas nesse período, ficava nervosa com elas e saía me sentindo burra por conta da língua e me perguntando será mesmo que eu conseguiria, porque eu era uma farsa. Até que um dia, não é que eu consegui?!
Comecei a trabalhar num órgão público chamado Metro Vancouver, em uma posição temporária, em Abril de 2023. Em Junho, passei num processo seletivo interno para uma posição permanente e em Setembro eu passei para ficar um ano ocupando um cargo acima do meu, cobrindo uma licença maternidade.
"Ah, mas então agora tudo são flores, não existe mais preocupações em relação ao teu inglês, né?!", você diria. Não mesmo, meu caro leitor. Elas continuaram e talvez até cresceram.
Eu comecei a ter que fazer atas em reuniões. Com Diretores e pessoas importantes. Eu tenho que ouvir o que eles estão falando e transcrever um resuminho EM INGLÊS, você está entendendo o nível da situação?!
Lembro do pavor nas primeiras reuniões e de pensar de novo: eu vou causar algum problema, esse é um job importante, vão falar algo, eu não vou entender e vai dar uma merda. Onde eu estava com a cabeça quando achei que poderia fazer isso?!
Um ano depois, fazendo em torno de cinco a sete atas diferentes por mês (fora todas as outras competências do meu trabalho) eu já confio no meu inglês, certo?! Errado de novo.
Eu vivo num misto de "sou foda, aprendi a falar praticamente sozinha no meu dia-a-dia e olha onde eu estou agora" e "eu sou uma farsa, quando me descobrirem vão me mandar embora e eu vou ter que voltar aos trabalhos pesados porque não tenho capacidade para isso".
Pois é, pessoal. Não é fácil morar fora, começar do 0, trocar de carreira, viver longe da família e amigos de uma vida inteira, trabalhar em coisas que você jamais imaginou, aprender uma nova língua e duvidar de si mesmo muitas vezes nesse percurso. É desafiador! E é incrível também!
Mas esse não é um texto "desmotivacional", pelo contrário, esse é um texto para que a gente aprenda a se reconhecer e a reconhecer os nossos feitos.
Dentro desses meus altos e baixos duvidando da minha capacidade de falar em inglês, existe uma pessoa que às vezes consegue se olhar de fora e se orgulhar! Sentir orgulho de cada perrengue, cada trabalho (braçal ou não), cada vez que se sentiu burra, quis chorar e sair correndo, mas continuou. Cada pedacinho dessa jornada que faz com que eu seja exatamente quem eu sou hoje.
Como uma bela Coach que sou (só que não) não sei como encerrar esse texto. Porém eu espero que, depois de ter lido esse post imenso aqui, você também consiga se olhar de vez em quando com um pouco mais de carinho, reconhecer as suas vitórias, das menores às maiores e falar com você mesmo como falaria com um bom amigo. (:
É isso.
Um beijo,
Luísa
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Perfeito Lu! Acho a a síndrome de impostora pega a quase todos, em algum momento da vida. Feliz que você perseverou! Parabéns pelo texto cativante e gostoso de ler. Bjo Amanda
ResponderExcluirObrigada pelo apoio, prima! ♥
ExcluirOi, amiga! Muito corajoso escrever sobre isso. Acho que a gente se sente assim em vários momentos da vida, por motivos diferentes, mas tenho aprendido que precisamos nos olhar de forma mais generosa, menos crítica. A gente tende a ser muito mais gentil com os outros e exigir demais de nós mesmos. Tu é fantástica, corajosa, inteligente, mas é esperado sentir medo diante de situações novas e desafiadoras. Tô aqui pra sempre te lembrar do quanto tu é maravilhosa. Segue firme. Te amo, Deborah
ResponderExcluirÉ por causa de pessoas como tu, que eu consigo me enxergar de forma mais generosa às vezes. Obrigada por ser essa amiga sempre me lembrando de quem eu sou e sempre me vendo com olhos tão gentis. Te amo!
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